sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A Fábula do Espelho Partido

Havia, há muito tempo, uma menina que queria brincar com tudo o que havia no mundo. E esta menina, sendo ela uma menina mágica, precisava apenas de pensar para que tudo aquilo que desejava aparecesse mesmo à sua frente. E assim ela pensava muito, desejava muito, e tudo aparecia ali, mesmo aos seus pés.
Das nuvens, fez cavalos para cavalgar livre no mar das estrelas, viajando tempos infindos por tudo aquilo que anteriormente imaginara; dos animais, uma corte de palhaços gigantes com pêlos e penas, para que a fizessem rir ao entardecer do dia; das plantas, torres espiraladas até ao céu, com vastas varandas de onde ela podia observar, sob a luz de uma lua de ouro, toda a vasta obra que brotara do seu querer.
Porém, com o passar do tempo, a menina entediara-se. Já não se divertia com as coisas que criava, sentia-se a esvaziar por dentro, como se, ao criar o Tudo, dentro de si já só existisse o Nada. Precisava de um novo jogo, precisava de se sentir outra vez a viajar dentro de si própria. E, num acto de indiferença, invocou, na sua mão direita, um belo espelho com uma armação de prata, muito simples, para que se pudesse contemplar a si mesma e, talvez, por causa dessa visão, se sentisse inspirada a criar algo mais.
Todavia, quando a menina se viu a si própria no espelho, tudo à sua volta ficou negro. O seu mundo, que ela tão levianamente criara, desapareceu num ápice. Nem a luz da lua restara. E a menina ficou enamorada de si, olhando-se até ao dia de hoje naquele simples espelho com armação de prata.
O nome da menina?
Consciência

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Um Homem

De todas as dores de alma que já havia sentido, fossem elas grandes ou pequenas, daquelas que por muitas noites o haviam obrigado a vigílias intermináveis, procurando na ausência de Morpheu o alívio agridoce da consciência fria e distante, ou então instantâneas, como um relampejar interior que até o mais infímo nervo do seu corpo deixava incendiado, de todas as vezes que se encontrou na posição em que o seu corpo se espalma contra uma parede fria, como agora faz, abraçando os joelhos entorpecidos pela imobilidade anestesiante, de todas as vezes em que os seus olhos duros tentaram, a muito custo e pulso, ignorar a maré que se levanta e pela sua barba rala escorre copiosamente (embora estas últimas tenham sido parcas), nunca, mas mesmo nunca, ele sentira o que agora sente. Exteriormente, nada mudara: o homem permanecia o mesmo, firme até na dor, um estóico num mundo de românticos, de postura grave. As maleitas da alma, repetia para si mesmo, são um problema privado e de fácil resolução: a catarse, esse puro estado de reconciliação interior, aparece sempre eventualmente, trazindo consigo o turbilhão característico da explosão sentimental que, muito embora se faça sentir violentamente, é sempre seguido de uma acalmia letárgica. A inevitabilidade da ordem interior era, para ele, um dogma. "Não há mal que sempre dure..."
Mas isto... Isto era diferente. Queimava sempre, como uma fogueira a que a cada instante se dá madeira nova para consumir. E ele, que sempre fora desajeitado aquando lhe fôra necessário lidar consigo mesmo e os seus próprios fantasmas, preferindo sempre voltar-se para fora e enfrentar a estranheza do mundo que virar-se para dentro e ser enfrentado pela familiariedade do íntimo, encontrava-se, acima de tudo, perplexo. Apesar de toda uma vida (embora não muito, já algo longa) de trabalhos de esforço e não muito recompensadores, anos passados a labutar incansavelmente para que o Mundo, essa prisão de vidro e aço em que somos forçados a construir o que nunca nos pertencerá, a trabalhar sempre para gáudio de outros, ele habituara-se a lidar com o acaso, única constante com que a Natureza nos brindou. O prego, que ao ser martelado se verga por nenhuma outra razão para além de, talvez, ser da sua natureza vergar quando mal acariciado pelo martelo, nunca verdadeiramente lhe causou espanto nem espécie, tão pouco fúria. "Verga", pensava o homem, "porque alguém assim o quis, ou eu , ou Ele." E assim, com a simplicidade de um filósofo de aldeia que nada mais sabe do que aquilo que pôde descobrir fechado entre horizontes verdes, este homem reduzia a Realidade, incompreensível na sua vastidão de acasos, a um prego, ele próprio e Deus.
Porém, uma quarta dimensão tinha vindo abalar esta simples equação, uma outra forma de ver as coisas, de as perceber e sentir, de as saborear na sua deliciosa míriade de possibilidades inexploradas, não mais visão distante e fria, não mais cegueira auto-induzida, mas sim um novo filtro para uma consciência acabrunhada e anémica através do qual, se ele assim o quisesse, tudo ganhava novas cores e formas...
Este homem descobrira uma mulher.
E por isso, agora, de joelhos ao peito, pele fria contra parede gelada, os olhos vagueando por uma sala, se não vazia, pelo menos deserta de calor, os braços desenhando uma ponte entre ele, o mundo e depois outra vez ele, num abraço a si próprio sentido e sincero, este homem sentia a dor da revelação, da descoberta, do medo. Qual profeta bíblico que ouve a voz de Deus sonora e troante e treme por a ouvir, mas, ao mesmo tempo, se regozija por a ter ouvido, este homem ouvia a voz dela, grave como se da própria terra tivesse brotado, uma flor orgulhosa que cresce até ao céu e diz: "Ouve-me, que mereço ser ouvida." E ele ouvia-a, ouvia-a a ressoar naquela sala gélida e desabitada, ouvi-a a ecoar pelos espaços dominados pelo silêncio que ele, cuidadosamente, sempre guardara naquele sítio.
"Uma mulher...", pensava ele...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

primeiro post.

Olá, eu sou o eremita. O demente.



vão saber de mim... em breve.